Muitas empresas, ao implementarem ações de diversidade e inclusão, costumam se questionar sobre como o Setor Jurídico pode ser um aliado na construção de projetos e ações acerca do tema.

Pensando nisso, a Blend Edu convidou Fabiano Machado da Rosa, advogado e sócio fundador do PMR Advocacia, para um bate-papo exclusivo com empresas da Diversidade SA: primeira comunidade empresarial de aprendizagem do mercado focada em diversidade e inclusão.

Fabiano atua focado na área de Compliance, Compliance Antidiscriminatório, Gestão de Crises e Proteção de Pessoas Expostas Publicamente, e trabalha em um dos maiores escritórios do Brasil liderado por pessoas negras.

Conversamos sobre quais leis respaldam ações afirmativas, LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais) e diversidade. Além de leis que apoiam o combate à discriminação nas empresas e dicas de como aplicá-las em sua organização.

Para democratizar o acesso a esse conteúdo e trazer mais conhecimento sobre o tema, elaboramos este artigo a partir de pontos apresentados na Mentoria Coletiva. Confira!

Jurídico Antidiscriminatório: um aliado da diversidade, inclusão e compliance

Você pode estar se perguntando “da onde surgiu o termo Jurídico Antidiscriminatório?”, e a gente te explica. Durante a Mentoria Coletiva com a comunidade Diversidade SA, Fabiano trouxe à tona o uso da expressão para relembrar a importância da empresa — e das áreas como um todo — terem o Setor Jurídico como forte aliado nas ações de diversidade.

“Quanto maior for sua empresa, mais compartimentada é sua governança. E a partir desse elemento, é necessário criar aliados dentro da organização para criar provocações que gerem mudanças.”

De acordo com o advogado, a luta pela diversidade precisa de alianças. E o Setor Jurídico de uma companhia, pode ser um dos maiores aliados ou, até mesmo, um dos maiores obstáculos, pois, segundo ele “é preciso tornar o [setor] Jurídico um aliado da diversidade, inclusão e da ótica de compliance, através do diálogo e da argumentação de fatores que são relevantes pro mundo do negócio”.

Porém, o processo de transformação dentro e fora das empresas é uma vigilância constante. Somos carregados de vieses inconscientes, preconceitos e bagagens que influenciam na nossa visão de mundo e na maneira com que nos relacionamos pessoal e profissionalmente.

Nesse quesito, do ponto de vista jurídico, vale relembrar a diferença entre preconceito e discriminação:

  • Preconceito: pré-julgamento. Opinião  ou sentimento que já existe sobre uma pessoa ou um, sem que haja experiências ou fatos relevantes para comprová-lo.
  • Discriminação: Ação ou omissão que baseada no preconceito. Ocorre quando não se trata membros de determinado grupo com respeito, mas com base em fatores como status, cor da pele ou identidade.​ Essa distinção acontece de modo prejudicial, e o fato de alguém ser tratado pior do que outros por algum motivo arbitrário já é considerado discriminação.

Nas palavras de Fabiano: “O problema do preconceito está na exteriorização e quando ele vira ato. Quando ele sai da sua cabeça, da liberdade de você pensar o que você quiser, e vira ação, entramos no campo da discriminação.”

Pensando nisso, a jornada para conseguir aliados pode ser um grande desafio, principalmente pelas limitações de raça, gênero, orientação sexual, entre outros. E conseguir o apoio da alta liderança nos desdobramentos de ações e projetos de diversidade e inclusão é um dos principais fatores para alcançar transformações de longo prazo dentro da empresa.

A importância de transformar a cultura organizacional para criar ações de diversidade e inclusão

“Cultura é algo que se cultiva. Ela gera tolerância, relativiza, naturaliza e não sabe lidar com privilégios. A compreensão de uma cultura de privilégios é muito importante, seja por uma lógica combativa ou de uma construção de aliança, de consenso e de pontes.”

O que Fabiano quer dizer é que, a naturalização leva ao preconceito, e isso permite ambientes discriminatórios. Ou seja, só é possível mobilizar e causar mudanças efetivas, quando há um espaço de cultura inclusiva. “Dificilmente, na sua empresa, alguém vai chegar e dizer ‘não passe o trabalho pra essa profissional, porque ela é mulher, e mulher não sabe ser engenheira’. Dificilmente vão dizer de forma direta, porque se manifesta de forma indireta, velada ou — o que é mais complexo — às vezes, é inconsciente.”

A falta de diversidade, preconceito e discriminação são campos férteis para uma série de problemas e perpetuação de vieses na cultura corporativa, pois em determinados casos, pode ferir a ética, gerar segregação, violência, e até casos assédio. Por esses e tantos outros motivos citados, o Setor Jurídico precisa ser aliado da diversidade e inclusão.

Uma empresa que acredita nas premissas de desenvolver um ambiente com mais diversidade e inclusão, tem menor potencial de risco trabalhista. Pois tem o apoio da legislação e de decisões judiciais que fundamentam suas ações.

Portanto, segundo o advogado “a empresa não está sendo ‘racista reversa’, muito pelo contrário: ela é abraçada pelo Supremo Tribunal Federal, que reconhece o esforço por garantir uma sociedade mais plural, inclusiva e mais justa é do poder público e da sociedade como um todo”.

Existem regulamentos e leis que permitam que as empresas criem programas de diversidade?

Sim! De acordo com Fabiano, existem leis que permitem que as empresas criem ações e programas com recortes afirmativos.

Antes de tudo, vamos relembrar o que é uma ação afirmativa? Trata-se de uma intervenção que procura acelerar um processo para diminuir desigualdades. Ou seja, é um ato intencional e temporário que gera uma desigualdade reparadora.

Confira algumas leis que podem ser baseadas na construção de políticas afirmativas:

  • O Brasil assina uma a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, que é validada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 23/1967. O documento tem como objetivo diminuir a desigualdade de oportunidades entre pessoas brancas e negras.
  • Sob o ponto de vista constitucional, a criação de processos seletivos também pode ser validada com base nos artigos 3ºI, e IV;5º, caput e 7º XXX, XXXI e XXXII da Constituição Federal, que afirmam que, entre os objetivos fundamentais do país, está:

“Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

  • Lei do Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/10), que destina-se a garantir à população negra a igualdade de oportunidades e a defesa dos direitos étnicos e individuais, coletivos e difusos.
  • Notas Técnicas GT de Raça 001/2018 e de Nota Pública emitida em 20.9.2020, se manifestou favoravelmente à criação de políticas positivas que visem seleção de pessoas que estejam em situação de desvantagem*, o que inclui a criação de medidas apropriadas, como a execução do Projeto Nacional de Jovens Negras e Negros. 

*Desvantagens baseadas em dados, contexto histórico social com informações públicas, como pesquisas do IBGE, por exemplo.

Entenda mais sobre como o setor jurídico pode ser um aliado da diversidade, inclusão e compliance, neste vídeo retirado da Mentoria Coletiva, realizada com Fabiano Machado:

Quais benefícios a diversidade e inclusão pode trazer a minha empresa?

Trabalhar de forma contínua e comprometida com a Diversidade e Inclusão é algo que traz inúmeros ganhos competitivos para as organizações. Segundo Fabiano, podemos elencar diversas frentes de atuação da empresa que podem ser beneficiadas com ações e projetos mais inclusivos, como:

  • Atração e retenção de talentos: com a criação de políticas de recursos humanos que identifiquem e promovam a retenção de talentos, cria-se um senso de pertencimento e acolhimento. No sentido contrário, vemos o aumento do turnover (maior nível de rotatividade).
  • Mais inovação e criatividade, dado que ideias circulam mais livremente em ambientes com maior respeito e acolhimento.
  • Saúde e Felicidade: ambiente antidiscriminatório promove maior bem-estar dos colaboradores, de acordo com a Consultoria Robert Half. Aqui, trata-se da felicidade no sentido de ser a completa e interior satisfação de desenvolvimento da personalidade de cada pessoa.
  • Redução de risco jurídico: por meio do Compliance Antidiscriminatório, as empresas podem identificar, prevenir, mitigar ou afastar possíveis situações discriminatórias, que, geram, na maioria das vezes, ações trabalhistas ou cíveis.
  • Maior qualificação dos colaboradores: com o aumento da diversidade, a empresa também traz novas visões e backgrounds para o time, contribuindo com a construção de um ambiente de alta performance e capacidade de crescimento. 
  • Maior ganho financeiro: Inclusão e diversidade, independente da dimensão de justiça envolvida, são fontes de vantagem competitiva e, até mesmo, no dizer da McKinsey, “uma alavanca” essencial de crescimento para as empresas.
Dados da consultoria McKinsey que mostram a lucratividade de empresas mais diversas

LGPD e a coleta de dados autodeclarados: como proceder para promover mais ações de diversidade?

A partir do momento que a empresa ganha maturidade em relação à temáticas de D&I, surgem muitas dúvidas sobre como coletar dados sensíveis de autodeclaração dos colaboradores. Seja para conseguir monitorar a evolução ao longo do tempo ou para identificar possíveis pontos de melhoria.

Nesse quesito, quais caminhos a empresa pode adotar — ou, como se respaldar legalmente — para que possa fazer eventualmente essa coleta de informações sem ferir princípios da LGPD?

De acordo com Fabiano, “o elemento central da LGPD é justamente a proteção de dados, que de forma direta ou indiretamente, possam identificar a pessoa. A primeira resposta é que uma pergunta autodeclaratória não configura uma identificação da pessoa do ponto de vista sensível. Como CPF, dado bancário, endereço, que possa gerar um ambiente de fraude. A lei quer proteger as pessoas de terem seus dados usados para criminalidade, ataque psicológico, cyberbullying, etc.”

“Por definição, o dado referente à raça e autodeclaração não é um dado considerado sensível, do ponto de vista da LGPD”. A recomendação, neste caso, é:

  1. Entender o porquê da empresa estar buscando essas informações
  2. Informar para a pessoa a importância de coletar aquele dado  e tomar muito cuidado com a elaboração das perguntas
  3. Dar liberdade ao indivíduo de responder ou não a autodeclaração
  4. Ter cuidado ao manipular esses dados e acima de tudo: documentá-los.

Como a empresa deve lidar diante de uma situação de discurso de ódio que parta de algum stakeholder?

Normalmente, o problema está do outro lado: quando a empresa viveu um processo interno de discriminação. Como por exemplo, um segurança que aborda uma pessoa na entrada da loja sem ter acontecido algo para isso ou um gestor pedir que a colaboradora alise o cabelo.

O primeiro passo para a empresa lidar com casos como esses que ganham grandes repercussões nas redes sociais, é reconhecer o erro e tomar medidas reparadoras. Empresas que têm programas de Compliance, por exemplo, com seus código de condutas, geralmente acabam prevendo sanções de advertência, punições e até mesmo demissão baseadas nesse tipo de documento.

Já em situações em que empresa faz uma postagem pela diversidade e sofre um ataque de ódio na sua rede social, o que Fabiano recomenda é: “Aplauda. É um sinal de que você esta chegando onde quer chegar. Quem transforma, provoca. Quando é uma crítica com embasamento ou pergunta de algum cliente, [eu] entraria em uma lógica de dar explicações de maneira concreta e objetiva, por meio de ferramentas de comunicação externa pra explicar a decisão.”

O debate da diversidade passa por conquistar corações e mentes. O coração da empatia e a mente na compreensão de que qualquer teoria preconceituosa é errada e não tem fundamento.

Como sua empresa pode trabalhar o tema de diversidade durante o ano todo?

Conheça a comunidade Diversidade SA! A plataforma oferece diversas apresentações de cases de empresas, Master Classes, curadoria de conteúdos e diferentes ativações para você e sua equipe ficarem por dentro das principais discussões de diversidade e inclusão. 

Já tivemos bate-papos com personalidades como Rita Von Hunty, Ana Paula Xongani, Emicida e Lázaro Ramos. Empresas como Cielo, OLX Brasil, Telecine, Embelleze, Wilson Sons já fazem parte da comunidade.

Quer levar o Diversidade SA para a sua empresa e ter acesso às próximas Master Classes? Entre em contato com a gente respondendo o formulário abaixo ou pelo e-mail contato@blend-edu.com