Vamos supor que a sua empresa recentemente começou a olhar com mais atenção para as questões de diversidade e inclusão. Então, o primeiro passo é criar uma campanha publicitária revelando isso ao mundo. Quanto mais diversa a campanha, melhor. Depois, a alta liderança se esforça para cumprir os requisitos mínimos de diversidade nos times, e… pronto! Selo de “empresa diversa”, certo? Bem… errado!

A população mundial está cada vez mais tratando com relevância e seriedade a pauta de diversidade e inclusão. Mas esses grupos geralmente estão fora das empresas. E as marcas erram quando, muitas vezes, defendem e praticam uma diversidade mascarada nas mídias sociais e comerciais de televisão, sem necessariamente uma discussão aprofundada e reais mudanças internas. Essa atitude é chamada de Diversity Washing

Com o impacto causado pela gestão de marca (branding), cada vez mais empresas percebem que há outros patamares de crescimento quando alcançam públicos como clientes – como a população LGBTI, por exemplo – mas não colaboradores na sua área de trabalho. Através de comerciais veiculados nas redes sociais e programas televisionados, buscam mascarar uma diversidade que não existe para causar atração, tirar o foco do que realmente importa ou surfar na tendência atual.

Em contrapartida, muitos movimentos sociais vêm buscando pelos seus direitos e sendo cada vez mais rigorosos quando alguma dessas marcas buscam falar diversidade, apenas “da boca pra fora” e de forma oportuna.

Mas, afinal, o que é Diversity Washing?

Alguns chamam de “Lavando a Diversidade”. É o movimento de algumas marcas para realizar ações de diversidade e inclusão que geram mídia gratuita, alcançam mais pessoas e promovem visibilidade em diversos canais, aumentando o valor da marca. Porém, essas práticas são não de fato inclusivas, uma vez que não fomentam políticas públicas ou constroem uma cultura interna que garanta o respeito às pessoas que, na maioria das vezes, não ocupam espaços de poder ou visibilidade – como pessoas negras, LGBTIs e PCDs. 

O termo “Diversity Washing” surgiu do “Green Washing”, que acontece quando uma empresa que divulga empregar práticas ecologicamente corretas ou sustentáveis, mas não fez nenhuma mudança além de colocar latas de coleta seletiva na cozinha. Algumas empresas até criam logos com cor verde ou fazem propagandas de como seus produtos foram pensados de forma ecológica, quando a realidade não é bem assim. Esse termo é bastante utilizado por organizações ambientais, mas ultimamente tem avançado para a área de diversidade, com a prática do Diversity Washing.

Muitos meios de comunicação, agências de publicidade, multinacionais de diversos segmentos e instituições financeiras visam alcançar o máximo de pessoas que estão inclusas em seu perfil de cliente com o objetivo de capitalizar esse público e poder aumentar o faturamento da corporação. Por isso, com o aumento da visibilidade dos movimentos sociais e pautas que vêm sendo cada vez mais discutidas, as marcas encontraram uma oportunidade de usar essas causas como promoção praticando Diversity Washing e a “falsa inclusão”.

E por que isso é tão grave?

O retrato nas empresas de um país desigual

O Brasil é um país construído com bases na desigualdade social, o que torna parte do cotidiano a agressão e discriminação constante às pessoas negras, LGBTIs e mulheres, bem como a exclusão de pessoas com deficiência.

Por isso, as marcas precisam estar cada vez mais atentas às discussões e pautas que esses movimentos vêm levantando – não só superficialmente, mas incorporando nas práticas, valores, liderança e na cultura organizacional como um todo. 

A Blend Edu realizou um estudo de bechmarking com 45 grandes empresas brasileiras e constatou que, apesar de apenas 5% das organizações afirmarem que o objetivo do seu programa é “potencializar reputação da marca”, vemos que o tipo de ação mais implementada é “campanha de comunicação”. Por que devemos ter cuidado com isso?

A imagem mostra um recorte do estudo de benchmarking realizado em 2020 pela Blend Edu. É possível ver o "Top 10 de ações dos programas de diversidade" compilados pelo estudo, sendo o primeiro "Comunicação: campanhas e ações para potencializar uma comunicação inclusiva interna e externamente (88%). 02: Eventos para o público interno sobre o tema (88%); 3: participação em redes empresariais e grupos de networking de diversidade (80%); 4: atração, recrutamento e seleção de candidatos diversos (80%); 5: programas de treinamento e desenvolvimento para colaboradores (75%); 6: programa de treinamento e desenvolvimento para líderes (70%); 7: infraestrutura física (70%); 8: canal de denúncias ou ouvidoria para reportar casos de desvio associados à diversidade (70%); 9: grupos de afinidade ou de diversidade para colaboradores da organização (70%); 10: monitoramento de indicadores (68%);

Este é um ponto de atenção, pois, caso o objetivo dessas campanhas não seja de conscientização ou estímulo de uma cultura inclusiva, as campanhas podem acabar sendo percebidas como diversity washing ou seja, a empresa diz ser comprometida com a diversidade, sem sustentar essa imagem com ações, políticas e práticas internas sólidas.

A população negra, por exemplo, é muitas vezes representada em campanhas publicitárias com o objetivo de passar uma imagem de cultura inclusiva quando, na verdade, em vários casos o quadro de colaboradores é o mesmo: majoritariamente branco, heterossexual e masculino. As pessoas negras entenderam que precisam, também, ser inseridas nas empresas, ocupar cargos executivos – pois representam apenas 4,7% – e questionar a falta da equidade salarial e em relação aos seus direitos trabalhistas.

“Existe um desrespeito completo quando falamos de equiparação e reparação nas temáticas de diversidade. Assim como as escolas usam capoeira para justificar que cumprem a obrigatoriedade da lei 11.645 de Ensino da História da África e dos Afrobrasileiros, muitas empresas usam eventos corporativos e peças publicitárias para cumprir por tabela as temáticas de Diversidade cada vez mais latente”, adverte Alan Soares, fundador do Movimento Black Money neste artigo

Muitas empresas se aproveitam de uma bandeira ou causa para encontrar passagens em outros movimentos, como é o caso da comunidade LGBTI, que movimenta cerca de R$ 150 bilhões por ano no Brasil. Apesar de estarem ganhando espaços nas campanhas publicitárias, 61% dos funcionários LGBTIs brasileiros optam por esconder a sexualidade de colegas e gestores com receio da discriminação.

Em relação aos PCDs, muitas marcas fazem o básico – cumprem a Lei de Inclusão Brasileira -, mas não tomam as medidas necessárias para que a inclusão realmente aconteça. É preciso ir fundo na mudança organizacional. É preciso transformar o ambiente de trabalho, as práticas corporativas, criar manuais e treinamentos para os colaboradores. Garantir que, de fato, essas pessoas se sentirão parte da empresa e que podem construir uma carreira sólida ali. 

É o caso, também, de empresas que fazem campanhas para o Dia das Mulheres, mas mantém equipes predominantemente masculinas ou mesmo demitem mulheres após engravidaram – em alguns casos, é dificultada, inclusive, a contratação delas.

Não estamos dizendo aqui que devemos condenar, de primeiro, as marcas por erros cometidos. Mas, é preciso que estejamos atentos às políticas internas das empresas antes de darmos o “selo de empresa diversa e comprometida”. 

É o caso da gigante Nike. Em 2018, a empresa de artigos esportivos apoiou o jogador de futebol americano Kaepernick, que virou sinônimo de polêmica nos EUA em 2016 quando, contra a violência policial contra negros e em solidariedade aos protestos liderados pelo movimento Black Lives Matter, ele passou a se ajoelhar em campo durante a execução do hino nacional americano. Kaepernick conta com o patrocínio da Nike desde 2011 e a marca lançou uma série de produtos vinculados à imagem do jogador. O vice-presidente de marca da Nike, Gino Fisanotti, deu uma declaração que revelava: “Nós acreditamos que o Colin é um dos atletas mais inspiradores da sua geração, que alavancou o poder do esporte para ajudar a fazer o mundo avançar”.

Por outro lado, em 2019, a Nike se envolveu em uma constrangedora polêmica com a atleta olímpica Allyson Felix, também patrocinada pela marca, que denunciou a empresa por ter seu salário reduzido e licença-maternidade ao ficar grávida. Ela deu, inclusive, uma entrevista para o New York Times que levou o título: “A Nike me disse para ter sonhos loucos, até que eu quis um bebê”.

A imagem é uma foto da atleta olímpica Allyson Felix.

Muitas pessoas perceberam a Nike fazendo uma prática de diversity washing, ao colocar em perspectiva esses dois casos. E esse é só um dos exemplo que precisamos estar atentos. Devemos cobrar posicionamentos que realmente reflitam a preocupação com as pessoas e o compromisso e inclusão, não só na frente de um estádio de futebol, mas também dentro das políticas internas da empresa.

O que fazer para evitar?

É um fato que, em algum momento, quando não há um comprometimento real com diversidade, se tornará perceptível que o que a empresa está fazendo é oportunismo ou Diversity Washing. 

Mesmo que as empresas busquem por inclusão de determinados grupos no mercado de trabalho, é preciso levar em conta os recortes sociais para que essa inclusão faça sentido com a situação que vivemos. Por isso, uma empresa ao defender uma causa, deve fazer de maneira genuína, na frente das câmeras mas também dentro do quadro de colaboradores e líderes.

Nós separamos 3 ações que a liderança de uma empresa pode fazer para evitar o Diversity Washing:

  1. Contratar não é o suficiente, é preciso engajar: o que vem depois a contratação de pessoas negras, LGBTs, mães, PCDs…? Não é possível pensar em uma inclusão de fato, sem considerar o depois. O ambiente organizacional – físico e cultural – está preparado para recebê-las? Considere ações efetivas para que os valores sejam acompanhados de políticas internas sólidas.
  2. Promova ações educacionais e campanhas internas constantemente, e não somente em datas especiais: investir e manter treinamentos de diversidade é fundamental para garantir a conscientização dos colaboradores e uma mudança profunda na cultura organizacional. As campanhas externas, para o público em geral, também são importantes, mas é preciso avaliar: o que a sua empresa está realmente fazendo pela causa?
  3. Eduque-se e ouça: ouça os colaboradores da sua empresa que também estão presentes na sua campanha de diversidade. Pergunte a eles – e coloque-os em posições de tomada de decisão – a respeito do posicionamento da empresa publicamente em relação a diversidade e se os valores presentes ali de fato refletem a cultura interna. Além disso, eduque-se constantemente em relação às causas que a sua empresa defende, só assim seu posicionamento estará acompanhado de um propósito e valores fortes e consolidados.

Esses são só os primeiros passos para que a sua empresa não cometa o erro de lavagem da diversidade. É preciso que haja, de fato, uma preocupação com a inclusão de grupos historicamente marginalizados na sociedade e uma visão de que a equidade nos times é, além de um compromisso social, uma forma de aumentar a pluralidade de visões e, dessa forma, gerar melhorias nos serviços e produtos. 

Os benefícios de investir na diversidade são inúmeros (detalhamos as principais pesquisas neste texto do nosso blog que comprovam essa afirmação). Apesar de muitas marcas terem entendido isso, muitas organizações – das menores às multinacionais – nem sempre compreendem que precisam realizar mudanças no cotidiano, mexer na estrutura e participar ativamente da causa defendida. 

Nunca é tarde para mudar.