Confira o cenário da violência contra a mulher no Brasil e como ele é agravado pelo isolamento social ocasionado pelo Coronavírus

A cada dois minutos, cinco mulheres são espancadas no Brasil. Em 80% dos casos, o responsável pela agressão é o próprio parceiro (marido, namorado ou ex) com quem convive diariamente, segundo a pesquisa Mulheres Brasileiras nos Espaços Público e Privado (FPA/SESC, 2010).

Estes dados, por mais alarmantes que sejam, podem aumentar e devem causar mais preocupação durante o período de quarentena. Somente no Rio de Janeiro houve um aumento de 50% de casos de violência doméstica durante este período de confinamento, mostrando que esse tema não pode ser ignorado pelos governos e empresas.

Tipos de violência contra mulher

A violência contra mulher retrata a violação dos direitos humanos que acontece independente de raça, doutrina religiosa, etnia, orientação sexual e faixa etária. Ou seja, qualquer ação ou atitude baseada no gênero, que provoque morte, lesão ou dor física, sexual ou psicológica à mulher, tanto em ambiente público como privado.

No meio dessas violações estão o estupro, o abuso sexual, o feminicídio, o lesbocídio (violência direcionada à mulheres lésbicas), a violência física, familiar, obstétrica, patrimonial, institucional e ainda a violência moral, caracterizada por qualquer ação que represente calúnia, difamação ou injúria contra a mulher.

Segundo o artigo 7º da Lei nº 11.340/2006, também conhecida como Maria da Penha, cinco tipos de violência doméstica e familiar contra a mulher são mencionados:

  1. Violência física: qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
  2. Violência psicológica: qualquer ação que cause dano emocional e diminuição da autoestima; prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento da mulher; ou vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões. Exemplos como: distorcer e omitir fatos para deixar a mulher em dúvida sobre sua memória, vigilância constante, manipulação, chantagem e dentre outros.
  3. Violência sexual: qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
  4. Violência patrimonial: qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
  5. Violência moral: qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

Esses tipos de violências são complicados, cruéis e têm graves consequências para a mulher. Qualquer uma delas torna-se ato de violação dos direitos humanos e deve ser denunciada.

Cenário Brasileiro de violência contra a mulher

De acordo com os dados da ONU, 14 dos 25 países com as taxas mais altas de feminicídio estão na América Latina. O Brasil é o país que mais mata mulheres nessa região.

No Mapa da Violência de Gênero fica evidente como a perspectiva de gênero (e raça) sobre os dados mostram que mulheres e homens são afetados de maneiras diferentes pela violência no país. A frequência tão acentuada de violência contra mulher na sociedade brasileira também é reflexo da falta de políticas públicas capazes de encarar e prevenir a violência. 

Os governos em seus diferentes setores (Federais, Estaduais e Municipais), Organizações do Terceiro Setor (ONGs) e empresas precisam se envolver com essa pauta, tão fundamental para a qualidade de vida, principalmente das mulheres, que perdem seus direitos básicos.

Mulheres, na maioria das vezes, crescem em um meio social inseguro, onde são impostas a padrões de uma sociedade que estruturalmente legitima as agressões e colocam a culpa nas próprias vítimas.

Violência doméstica contra mulher

O retrato da violência contra mulher na zona urbana ecoa em vários ambientes sociais, inclusive nos lugares considerados de proteção e cuidado, como o próprio lar. Na maioria das vezes as agressões são feitas pelo próprio companheiro. 

Normalmente, a mulher que passa por uma situação de violência doméstica tem principalmente dependência financeira e emocional, que colabora para que a mesma não denuncie e continue neste ciclo de violências, ocasionando sequelas na saúde física e mental. Especialistas afirmam que os números, por mais absurdos que sejam, só representam cerca de 10% a 15% do total de casos de violência. 

Em matéria para a BBC, Silvia Chakian (promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo e integrante do GEVID – Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica), destaca alguns dos motivos que fazem com que as mulheres tenham receio de reportar um caso de violência:

  1. Vítimas não identificam o que sofreram como assédio, naturalizando a situação
  2. Medo de que ninguém acredite nelas
  3. Medo do assediador
  4. Vergonha
  5. Sentimento de culpa
  6. Medo de reviver experiência
  7. Medo de perder o emprego
  8. Medo de enfrentar processo e “não dar em nada”
  9. Dificuldades para denunciar/reportar e medo da violência institucional
  10. Crimes são tratados como um problema entre homem e mulher, e não como problema da sociedade

Impacto da quarenta na violência contra mulher

Com objetivo de achatar a curva de contaminados e proteger as pessoas do contágio do novo coronavírus, diversos estados e cidades começaram a adotar medidas de isolamento e distanciamento social. 

Por causa dessas medidas, uma notícia em especial tem repercutido entre as autoridades públicas do país: o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (responsável pelo Ligue 180, que recebe denúncias de violência contra a mulher) listou um aumento de quase 9% no número de ligações com denúncias de violência domésticas.

Segundo o Ministério Público, ao longo do primeiro mês de pandemia houve um aumento considerável dos processos urgentes e em especial das prisões em flagrante por violência contra a mulher. Os dados mostram que ao longo de 1 (um) mês de isolamento social, as prisões em flagrantes aumentaram 51,4%, em um total de 268 em março, contra 177 em fevereiro.

Ao identificar um maior número de relatos de violência doméstica nestes últimos dias, órgãos da justiça e empresas vem intensificando campanhas de conscientização da população e de divulgação dos canais de denúncia, bem como orientações sobre seu funcionamento. Recentemente, a  Globo, o canal GNT e ONU Mulheres fizeram uma campanha chamada “Quem é você no isolamento social?“.  A campanha chama a atenção para a contribuição de todos nesse combate, pedindo inclusive que os vizinhos e as vizinhas fiquem atentos aos sinais.

As ocorrências de violência doméstica podem ser denunciadas pelo Ligue 180, que é o um meio de comunicação gratuito e confidencial. Através dele também são dadas as instruções sobre serviços de atendimento à mulher e seus direitos.

Tanto o Ligue 180, quanto o Disque 100 (ou Disque Direitos Humanos, que é serviço de denúncias e proteção contra violações de direitos humanos) funcionam 24 horas por dia, todos os dias, até nos finais de semanas e feriados. As ligações funcionam para qualquer lugar do Brasil e de vários países do exterior. Esses canais de atendimento são incumbidos de receber as denúncias, registrá-las, analisá-las e encaminhá-las aos devidos órgãos competentes.

De acordo com a ONU Mulheres, caso não possam usar o telefone, as mulheres também encontrarão informações sobre ferramentas online, como o aplicativo PenhaS ou a plataforma  do Mapa do Acolhimento, uma rede de solidariedade que conecta mulheres que sofreram violência de gênero a psicólogas e advogadas voluntárias de todo o Brasil.

Por meio de uma experiência interativa, a robô virtual (bot) apresenta conteúdos voltados para diferentes públicos e situações. As usuárias podem navegar por três fluxos principais: Violência Doméstica, Violência Online e Saber Mais. Ao acessar as duas primeiras a bot oferecerá ferramentas para mulheres que estejam sofrendo ou tenham sofrido violência. Para quem escolher “Saber mais“, a bot indicará conteúdos para quem deseja ajudar, além de dicas para as mulheres manterem-se seguras.

Para ativar a ISA.bot, basta chamá-la no Messenger da Página IsaBot no Facebook, e ativando, por escrito ou verbalmente, por “OK Google, falar com Robô Isa” no Google Assistente. Ao somar o recurso do chat (pelo Messenger) ao recurso de voz, o objetivo é ampliar o alcance e a atuação da bot, considerando que nem todas são fluentes na linguagem escrita ou digital.

Como as empresas estão abordando a violência contra mulher na quarentena

Natura e Avon se uniram para lançar o Movimento #IsoladasSimSozinhasNão, que vai muito além da hashtag, compartilhando materiais sobre saúde mental, prevenção, rede de apoio e canal de denúncia. patrocinou uma minissérie sobre a temática com cinco episódios para o podcast Mamilos, disponíveis gratuitamente em plataformas de streaming como Spotify e Deezer.

As empresas criaram este documento que pode ser impresso e colado em locais de circulação dos condomínios e vizinhança. No texto, as pessoas oferecem ajuda para vítimas de violência disponibilizando e próprio telefone e também lembrando que a violência doméstica é crime que deve ser denunciado pelo telefone 180.

Natura, Avon e Carrefour também passaram a disponibilizar um novo canal de atendimento psicossocial batizado de Tina, um produto criado pela ONG Mete a Colher. A Tina tem o objetivo de atender, orientar e acompanhar funcionárias de empresas que sofrem qualquer tipo de violência: sexual, doméstica e laboral.

Outra empresa que lançou, por meio do seu grupo de afinidade de gênero, uma campanha foi o Grupo Boticário. Com o título #LadoALado, as peças de comunicação reforçam canais de denúncia e de apoio.

Na imagem está o texto estimulando denúncias no cenário da violência contra as mulheres, reforçando o disque 180 (central de atendimento às mulheres) e o 190 (telefone da polícia)

Essas organizações mostram que podemos ir muito além do discurso e, de fato, fazer a diferença na vida de centenas de pessoas.