Lésbicas, gays, bissexuais, trans e intersexuais estão expostos ao novo coronavírus da mesma forma que o resto da população?

Todos nós estamos enfrentando essa pandemia, mas determinados grupos se encontram em situações de vulnerabilidade social, com barreiras que dificultam o acesso à saúde e à proteção a partir de uma rede de suporte adequada. Entender o contexto macro das consequências de curto e longo prazo do coronavírus são importantes não só para o financeiro e o modelo de negócios das organizações, mas principalmente para dar suporte às suas equipes.

A imagem mostra um grupo de pessoas durante a parada LGBT, usando máscaras de proteção contra o coronavírus.

Quais os impactos da pandemia para os seus colaboradores LGBTI?

O Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos da ONU (OHCHR) publicou um documento com foco no impacto da pandemia para esse público, no qual lista diversos problemas e soluções:

  • Acesso ao trabalho e meios de subsistência: muitos trabalham no setor informal e não têm acesso a licença médica paga ou indenização por desemprego.

Além disso, devido a políticas discriminatórias de licença remunerada, as pessoas LGBTI podem não ser capazes de dedicar tempo fora do trabalho para cuidar dos membros da família.

  • Violência doméstica e abuso: devido ao isolamento, muitos jovens estão confinados em ambientes hostis com familiares ou coabitantes que não os apoiam. Isso pode aumentar a exposição à violência, bem como a ansiedade e a depressão.

A psicóloga Bárbara Meneses, do Centro Referência LGBT+ de Campinas, ressaltou em entrevista ao O Globo a importância de manter o contato com os amigos neste período. Para quem tem acesso ao digital, é fundamental manter as relações via chamadas de vídeo ou mensagem. Ela também reforça que é preciso ocupar o tempo com atividades como exercícios físicos, leitura e estudos.

  • Acesso aos serviços de saúde:  A comunidade LGBTI recorrentemente sofre estigma e discriminação quando busca serviços de saúde, levando a disparidades no acesso, qualidade e disponibilidade dos serviços de saúde. Exemplos de discriminação em cuidados de saúde com base na orientação sexual e identidade / expressão de gênero têm sido extensivamente documentados em muitos países. Essa discriminação pode aumentar o risco de pessoas LGBTI à COVID-19. Indivíduos que vivem com o sistema imunológico comprometido, por exemplo, incluindo algumas pessoas que vivem com HIV/AIDS, também enfrentam um risco maior. Os sem-teto, uma população que inclui muitas pessoas transgênero, são menos capazes de se proteger através de distanciamento físico e práticas de higiene seguras.
  • Despriorização dos serviços de saúde necessários: devido aos sistemas de saúde sobrecarregados, alguns tratamentos voltados para pessoas LGBTIs pode ser interrompidos ou desvalorizados, incluindo os testes e tratamentos de HIV, hormonais ou de afirmação de gênero para pessoas trans. As decisões sobre a redução de serviços devem ser baseadas na medicina e nos dados, e não devem refletir preconceitos contra as pessoas LGBTI.
  • Estigmatização, discriminação e ataques: as pessoas LGBTIs foram historicamente culpadas por alguns desastres causados ​​pelo homem e pela natureza. É possível observar esse tipo de relato no contexto da pandemia atual, como podemos ver neste tipo de matéria. Em alguns países, os relatórios sugerem um aumento da retórica homofóbica e transfóbica. Em pelo menos um deles, o Estado de Emergência foi usado para propor um decreto que impediria pessoas trans de mudarem seu gênero legalmente em documentos de identidade.  Alguns países adotaram restrições à circulação de pessoas com base no sexo biológico, com mulheres e homens permissão para deixar suas casas em dias alternados, o que coloca pessoas não binárias e trans em risco de maior discriminação, pois elas podem ser interrompidas e interrogadas.

Principais ações a serem tomadas

Todas as instituições devem reconhecer que parte das pessoas LGBTIs estão entre mais vulneráveis ​​nesta crise e tomar medidas específicas para garantir que elas sejam levadas em consideração e que suas vozes sejam ouvidas ao abordar as formas de enfrentamento da pandemia:

Ação #1 | Esforços específicos devem ser feitos para garantir que as pessoas não estejam sujeitas a discriminação ou tenham medo de represálias por procurar atendimento médico. Os serviços de saúde que são particularmente relevantes não devem ser despriorizados em uma base discriminatória.

Ação #2 | As medidas para enfrentar os impactos socioeconômicos da pandemia devem considerar as vulnerabilidades específicas das pessoas LGBTI – incluindo idosos e pessoas em situação de rua – e garantir que as pessoas sejam totalmente cobertas pela assistência social e sistemas de saúde.

Ação #3| Lideranças empresariais, políticas e outras figuras influentes devem se manifestar contra a estigmatização e o discurso de ódio no contexto da pandemia.

Ação #4 | Abrigos, serviços de apoio e outros canais para combater a violência de gênero devem tomar medidas para incluir a população LGBTI.

Ação #5 | Gestores de organizações ou do setor público não devem se aproveitar de medidas de emergência para reverter direitos e garantias existentes que se aplicam a pessoas LGBTI.

Foco no bem-estar das pessoas

“Todas as pessoas, independentemente da orientação sexual, identidade ou expressão de gênero, têm direito à saúde, segurança e proteção, sem exceção. O respeito e a dignidade são necessários agora mais do que nunca”, declarou o diretor regional do UNAIDS para a América Latina e o Caribe, César Nuñez.

Em qualquer epidemia, a discriminação na prestação de serviços de saúde ou a recusa em tratar uma pessoa não significa apenas uma negativa aos serviços de saúde essenciais da mesma. Isso também coloca em risco a saúde de outras pessoas e prejudica a resposta geral. No Brasil, não existem dados oficiais sobre a comunidade LGBTI durante a pandemia e isso ressalta a importância de exigir políticas e recursos que atendam as mais diversas necessidades. 

Apesar disso, é dever de todas as organizações reconhecer essas limitações e atuar ativamente para cuidar de seus colaboradores, sem exceção. Através de apoio financeiro, jurídico e/ou mental, será possível passar por esse período incerto ainda mais resiliente e acolhendo toda a pluralidade da nossa sociedade.


**Tradução adaptada do material: https://www.ohchr.org/Documents/Issues/LGBT/LGBTIpeople.pdf