Em 2014, Dilma Rousseff aprovava a lei que decretava que a partir daquele ano, no dia 25 de julho, seria comemorado o Dia de Tereza de Benguela e da Mulher Negra. Uma data para relembrar a luta, memória e resistência das mulheres negras do país.

Vinte anos antes, em 1994, a escola de samba Unidos da Viradouro entoava os versos em homenagem à chamada Rainha Tereza: 

A imagem mostra a letra do samba enredo da Unidos de Viradouro de 1994, em homenagem à Tereza de Banguela. Disponível em: http://www.galeriadosamba.com.br/escolas-de-samba/unidos-do-viradouro/1994/
Letra retirada de: http://www.galeriadosamba.com.br/escolas-de-samba/unidos-do-viradouro/1994/

25 de julho é também o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, data reconhecida pela ONU desde 1992. Graças ao trabalho incansável de mulheres que se reuniram em julho daquele ano, na República Dominicana, no 1º Encontro de Mulheres Negras da América Latina e do Caribe – momento no qual discutiram a realidade de suas vivências e se organizaram internacionalmente – foi marcado como um dia de luta pelas mulheres negras em todo o mundo.

Tereza de Benguela: a mulher escravizada que virou rainha

A imagem é uma foto de Tereza de Benguela, líder quilombola do século 18.

Não é surpresa se você não conhecê-la. Apesar da sua enorme importância histórica, foram muitos os apagamentos da sua vivência e de tantas outras líderes mulheres negras ao decorrer do tempo. 

Ela foi considerada rainha por ter liderado o quilombo (local de refúgio de escravos africanos) Quariterê, próximo a Vila Bela da Santíssima Trindade, em Mato Grosso, na fronteira com a Bolívia. Uniu negros, brancos e indígenas para defender o território por muitos anos. Foi ela a responsável pelo desenvolvimento do quilombo, implantando novos modelos de desenvolvimento, como o uso do ferro na agricultura.

Em Quariterê, Tereza liderou a resistência às ações de bandeirantes de 1730 a 1795, quando o espaço foi atacado e destruído, a mando da capitania regional.

Como mostra este artigo do Alma Preta, segundo documentos da época, especialmente os “Anais de Vila Bela”, o quilombo, território de difícil acesso, foi o ambiente perfeito para Tereza coordenar um forte aparato de defesa e articular um parlamento para decidir em grupo as ações da comunidade, que vivia do cultivo de algodão, milho, feijão, mandioca, banana e da venda dos excedentes produzidos.

O que se tem conhecimento é que alguns quilombolas conseguiram fugir depois do ataque dos bandeirantes e restituir o espaço, que foi novamente vítima de ação da capitania do Mato Grosso em 1777 e dizimado de maneira definitiva em 1795. Tereza foi assassinada e teve a cabeça exposta no centro do Quilombo.

Qual a importância da sua história?

A história de rainha Tereza é como a de tantas outras mulheres negras da América Latina que resistiram e lutaram por seu povo. Mas a parte mais importante da sua jornada é, justamente, a sua luta por permanência. Sua vida é muito presente no imaginário da região, onde a oralidade garante a sua sobrevivência. 

Até hoje, líderes mulheres – especialmente negras – continuam sendo apagadas. Segundo levantamento da PretaLab, projeto que busca a inclusão de profissionais negras na tecnologia, mulheres negras acumulam os piores indicadores sociais no Brasil. No trabalho, elas recebem os menores salários e têm os mais altos índices de desemprego. Em casa, são as que mais sofrem com a violência e as que têm maior responsabilidade no sustento familiar. Na saúde, são vítimas preferenciais da violência obstétrica, do descaso nos serviços públicos e da criminalização do aborto.

Sabemos que a desigualdade de gênero atinge todas as mulheres, mas quando se é mulher negra, os estigmas e opressões são maiores, pois envolve a interseccionalidade social, de gênero e raça, ao mesmo tempo.

De acordo com o Mapa da Violência 2016, os homicídios de mulheres negras aumentaram 54%, enquanto os casos com vítimas brancas caíram 10%. As mulheres negras são as principais vítimas da violência policial no Brasil também. Segundo a Agência Patrícia Galvão, através de dados que foram apurados por meio do Fórum Brasileiro de Segurança Pública nos anos de 2005 a 2015, em relação aos  números de mortes de mulheres em meio à Intervenções legais ou operações de guerra, 52% delas eram mulheres negras. 

Por isso, a memória de rainha Tereza se mostra cada vez mais importante e crucial para trazermos ao centro dos debates sobre diversidade o lugar da mulher negra – que precisa estar em maior número nos espaços de visibilidade, representatividade e poder.

25 de julho: o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha

É nesse sentido que o dia 25 de julho, Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha, precisa estar na agenda e nos calendários de todas as pessoas comprometidas com o antirracismo no Brasil – indivíduos, empresas, instituições e governantes que buscam por uma sociedade mais justa e igualitária.

Afinal, Tereza de Benguela não foi nem é a única. Este artigo do Brasil Cultura destaca alguns nomes de mulheres negras da América Latina que deixaram sua marca no tempo em que viveram:

  1. María del Tránsito Sorroza (séc. XVII) – parteira, foi libertada em 1646 devido a sua competência profissional. Equador.
  2. Tereza de Banguela (x-1770) – rainha do Quilombo de Quariterê. Brasil.
  3. Cécile Fatiman (1791-?) – sacerdotisa vodu e ativista política. Haiti.
  4. María Remedios del Valle (1776-1847) – capitã do exército. Argentina.
  5. Victoria de Santa Cruz (1922-2014) – poeta, coreógrafa, desenhadora. Peru.
  6. Epsy Campbell (1963) – vice-presidente da Costa Rica, desde 1º de abril de 2018. Costa Rica.
  7. Gloria Rodríguez (1964) – 1.ª deputada negra no Uruguai.
  8. Ely Meléndez – economista, consultora do BID, ativista feminista. Honduras.
  9. Sandra Abd’Allah-Alvarez Ramírez (1973) – escritora e ensaísta. Cuba.
  10. Dilia Palacios (1977) – ativista política. Guatemala.
  11. Carolina Indriago (1980) – primeira miss Venezuela morena, apresentadora e modelo. Venezuela.
  12. Mercedes Argudin Pacheco – feminista. Chile.
  13. Betty Garcés (1986) – soprano. Colômbia.
  14. Marielle Franco (1979-2018) – socióloga e política. Brasil

25 de julho é um dia para fortalecer as organizações de mulheres negras, construir estratégias e ampliar o debate para o enfrentamento ao racismo, sexismo e desigualdades sociais. 

Dicas de livros escritos por mulheres negras

A luta e resistência de mulheres negras acontece por diversos espaços político-sociais, sendo um deles o campo literário, como forma de conscientização, emancipação e principalmente fortalecimento de pautas importantes para o movimento.

Mesmo com tantas barreiras econômicas e estruturais, muitas delas vêm ampliando sua atuação no mercado editorial, dando visibilidade à temas relevantes que marcam o cotidiano de mulheres negras.

Confira alguns títulos para você se aprofundar ainda mais no tema:

1. Quarto de Despejo – Carolina Maria de Jesus

A obra é composta por 20 diários escritos ao longo de 5 anos, por Carolina Maria de Jesus, uma mãe solteira que trabalhava como catadora de lixo nas periferias de São Paulo. O livro retrata de forma muito fiel o cotidiano vivenciado pela autora nas favelas da cidade.

2. Quando Me Descobri Negra – Bianca Santana

Neste livro, a autora retrata uma série de relatos sobre experiências pessoais ou ouvidas de outras mulheres e homens negros que diariamente o racismo velado de cada dia, com exemplos de situações que podem passar despercebidas por pessoas não-negras, e outros relatos que falam sobre sua jornada de descoberta de sua identidade.

3. Uma História Feita por Mãos Negras – Beatriz Nascimento

Neste livro, a historiadora, professora, poeta e ativista Beatriz Nascimento, reúne uma coletânea de 24 textos que abordam questões raciais e de gênero, a contribuição da luta racial na construção da sociedade brasileira e demais questões econômicas e sociais acerca do tema.

4. Por um Feminismo Afro-Latino-Americano – Lélia Gonzalez

Lélia Gonzalez, filósofa, antropóloga, escritora e professora, foi uma das mais emblemáticas intelectuais brasileiras do século XX. Neste livro, organizado por Flavia Rios e Márcia Lima, é possível encontrar um panorama de entrevistas, artigos, traduções e parte do legado de Lélia, que atuou de maneira decisiva na luta contra o racismo estrutural e na articulação das relações entre gênero e raça em nossa sociedade.

5. Escritos de uma Vida – Sueli Carneiro

O livro é composto por diversos textos de Sueli Carneiro, doutora em filosofia e feminista negra, que foram escritos durante sua trajetória de combate ao racismo contra mulheres e do povo negro.

Além disso, é discutido na obra a condição em que o racismo sistêmico e estrutural presente na sociedade brasileira, associado à questão de gênero, coloca a mulher negra em situação de maior vulnerabilidade social.

6. Eu, Tituba: Bruxa Negra de Salem – Maryze Condé

Livro de romance, escrito pela guadalupense Maryse Condé, que reconta de forma ficcional a história do julgamento das bruxas de Salém, em especial, de Tituba. A obra retrata o protagonismo de uma mulher negra em diáspora, que carrega as marcas da escravidão e da resistência quilombola, como uma releitura sobre esse episódio de caça às bruxas.

Leia mais sobre como combater o racismo em dois outros artigos aqui no blog da Blend Edu: “Olhe para dentro: como ser um aliado na luta antirracista” e “Como líderes podem ser aliados no debate racial”.