Esse artigo foi elaborado para destacar os principais pontos sobre o tema Diversidade e Inclusão apresentados durante o evento Kenoby Talks, o maior evento da área de Recrutamento e Seleção do Brasil. Abaixo, mostramos os highlights da palestra “Capacitação como estratégia de Inclusão”, com falas de Daniela Pio, responsável pelo Desenvolvimento e Inclusão de Talentos no Mercado Livre.

Por que é importante planejarmos ações de capacitação com foco em inclusão?
Pessoas com deficiência
Falando de Brasil, as desigualdades são muitas. Por exemplo, se eu olho para a perspectiva da pessoa com deficiência por exemplo, a Lei de Cotas existe há 30 anos, mas a legislação que exige das escolas e universidades serem acessíveis a qualquer tipo de deficiência é algo mais recente. Então, quando as pessoas falam que não contratam pessoas com deficiência porque elas não têm a qualificação necessária, a gente tem que entender que isso é de fato um gap estrutural da nossa sociedade. Só recentemente que a gente vem avançando com esse tema.
Só cobrar do poder público que cubra esse gap não necessariamente vai promover uma mudança na sociedade e no cenário de inclusão de pessoas com deficiência. As empresas também precisam se envolver e se comprometer em diminuir esse gap e potencializar a comunidade de pessoas com deficiência que a gente tem no país. Que, inclusive, não é uma comunidade pequena; há estudos que dizem que 24% da população brasileira têm algum tipo de deficiência. Não dá pra gente não considerar que também é responsabilidade das empresas promover políticas afirmativas para inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho.
Pessoas negras
Outra perspectiva é a do negro. Os negros são hoje 56% da população brasileira, mas quando a gente olha pra história, são quase 400 anos de escravidão frente 133 anos desde a abolição da escravidão. Isso significa que se a gente voltar pra quando foi decretada a escravidão, a gente tem que observar em quais condições o negro foi liberto. Ele foi liberto em um cenário sem reservas financeiras, a grande maioria sem alfabetização, muitos sem moradia. Não houve nenhum tipo de ação para inclusão desses ex-escravizados na sociedade. O negro teve que se reinventar do zero.
A consequência disso é que quando nós olhamos para a camada mais pobre da população, 75% é negra. O negro vem vivendo gerações à margem da sociedade porque não houve uma política reparatória pós escravidão. Se as pessoas negras estão hoje em condições mais vulneráveis em relação à oportunidades de trabalho e salários, a realidade não vai mudar enquanto a sociedade, o poder público e as empresas não se unirem para impulsionar o perfil da população negra brasileira.
Então, quando uma empresa se propõe a oferecer uma formação para potencializar o perfil profissional de pessoas negras, ela está contribuindo também para diminuir esse histórico de desigualdade.
LGBTQIA+
Uma terceira perspectiva é a da comunidade LGBTQIA+. Hoje a gente não tem um censo que diga exatamente que é essa comunidade, até porque em muitos lugares ainda não é seguro que elas assumam quem elas realmente são. Mas é justamente por essa opressão que a gente cultiva há séculos que muitas vezes o acesso escolar é restrito porque as famílias dão as costas quando a pessoa assume. Então, consequentemente, essa pessoa vai ter menos acesso ao mercado de trabalho.
E quando a gente olha pra um recorte específico, que são as pessoas trans, até muito pouco tempo atrás elas estavam fadadas ou a prostituição ou a vida de artista. Quem imaginava uma pessoa trans trabalhando dentro de uma empresa, de um ambiente corporativo, em um cargo de liderança? Hoje a gente conseguiu avançar um pouco mas ainda são casos isolados. Então também é um recorte da população brasileira que a gente precisa potencializar pra que a gente possa criar uma situação de equidade populacional.
Programas de capacitação com foco em inclusão
Então, considerando a diversidade da população brasileira, se a gente de fato não se preocupar com isso, a gente está indo para um caminho muito errado. Feita essa contextualização e mostrado um pouco porque isso realmente importa, eu quero compartilhar com vocês um pouco da minha experiência e com o contato com as boas práticas que eu tive com programas de capacitação com foco em inclusão
Programa de inclusão de pessoas com deficiência do Mercado Livre
O primeiro case que eu quero compartilhar é o case de inclusão de pessoas com deficiência do Mercado Livre. Nesse ano, nós formamos 68 profissionais, em uma capacitação que tinha o objetivo de potencializar protagonismo, habilidades relacionais, comunicação, convivência entre gerações, experiência do cliente e transformação digital. Foi uma experiência incrível, feita em parceria com o Talento Incluir e com o IOS, Instituto da Oportunidade Social, que abraçaram essa causa no Mercado livre. Foram 200 horas de capacitação que impactaram as vidas de 68 famílias e os profissionais saíram muito mais preparados para o mercado de trabalho. Hoje, 48% deles estão trabalhando no Mercado livre, em diferentes áreas e posições.
Projeto social da Faculdade Zumbi dos Palmares
O segundo case é um projeto social do qual eu tive a oportunidade de liderar na Faculdade Zumbi dos Palmares, junto a outras faculdades parceiras. Esse é também um case interessantíssimo, onde o foco foram 180 jovens negros que viviam em situação de vulnerabilidade financeira e social. A maioria deles com apenas ensino médio completo e sem grandes perspectivas de cursar o ensino superior.
Foi uma capacitação de 200 horas e depois disso, 80% deles já estavam matriculados e cursando o ensino superior. Metade deles já estavam estagiando ou empregados em empresas grandes empresas nacionais e multinacionais.
Uma das meninas que fez essa capacitação me disse que havia recebido uma proposta para trabalhar em um grande banco e me disse: “olha Dani, o valor do vale alimentação que a empresa vai me pagar é maior que o salário do meu pai”.
Então, vejam o quanto uma capacitação como essa tem um potencial de transformar a vida de famílias inteiras pelo simples fato de nós fazermos um exercício onde essas pessoas puderam reconhecer as suas potencialidades – que não vinha de uma jornada escolar de qualidade, mas que vinha das suas experiências de vida, da qual a vulnerabilidade que eles viviam os formaram de forma diferente.
Muitas vezes eu levava esses jovens para dentro das empresas para conhecerem e as pessoas falavam “nossa, que pessoa incrível, qual a formação dela?” e eu respondia, “olha, a formação dela é a vida e o ensino médio completo”.
Isso, em um currículo para uma grande corporação não era suficiente para as empresas identificarem o potencial naquele jovem. E o curso empoderou esses jovens para que eles conseguissem se mostrar de forma diferente pro mercado e ao mesmo tempo trabalhou as empresas para que elas pudessem começar a olhar para esse público de forma diferente. Daí vem o poder que uma capacitação tem com o foco de incluir os grupos que usualmente são minorizados na nossa sociedade.
O papel das empresas
Então, sem demagogia, está nas nossas mãos mudar o mundo. E as empresas privadas têm um papel fundamental para realizar essa transformação na nossa sociedade.
Então, por que fazer programas de capacitação?
- Traz novas perspectivas para a empresa;
- Aumenta o potencial de inovação;
- Responsabilidade social em relação ao histórico e cenário atual de desigualdade no nosso país;
- Aumenta escala de contrações com diversidade;
- Compliance.
Mas, como fazer?
- Antes de mais nada, é preciso sensibilizar e engajar os líderes. Com workshops, treinamentos e criar espaços abertos onde de fato as pessoas possam conhecer as diferentes perspectivas de diversidade é fundamental;
- Comprometimento da alta liderança porque essa é uma agenda que toma tempo, então isso precisa estar alinhado à estratégia de negócio;
- Ter uma equipe multidisciplinar. E essa não é uma responsabilidade somente do RH;
- É importante focar nos motivos comuns de reprovação dos determinados recortes de diversidade.
Quais as pitadas de sucesso nesses dois programas que eu trouxe como case:
- Foi fundamental trabalhar empoderamento e protagonismo durante os programas de capacitação;
- Cultivar o interesse genuíno da empresa;
- Levar os princípios culturais da empresa para a capacitação;
- Especificar um mentor que acompanhe cada um dos alunos durante a capacitação.