De acordo com uma pesquisa do Instituto Avon e o Papo de Homem, 64% das pessoas afirmam que o principal obstáculo para ter conversas com quem pensa diferente é a agressividade que essas conversas costumam ter. Com isso, 8 em cada 10 pessoas nunca ou quase nunca têm conversas com quem pensa muito diferente.

Esse cenário representa um extremo desafio para as empresas, que têm demandas cada vez mais crescentes por ampliar a colaboração e inovar. A quarta revolução industrial e as suas perspectivas sobre o futuro do trabalho fazem com que a capacidade de diálogo seja uma habilidade chave para a solução de problemas complexos. O próprio Fórum Econômico Mundial lista a empatia, inteligência emocional, negociação e flexibilidade como algumas das habilidades mais importantes para enfrentar os desafios do mundo contemporâneo.

Uma empresa que percebeu como a comunicação e o diálogo podem gerar uma alta performance foi o Google. De 2013 a 2015 a empresa realizou o “projeto Aristóteles”, no qual estudou mais de 180 equipes, realizando 200 entrevistas e analisando cerca de 250 atributos para compreender os fatores que fazem uma equipe ter sucesso.

Um dos elementos foi a segurança psicológica, ou seja, como as pessoas tem abertura e espaço para correr riscos e ser vulneráveis, sem se sentir inseguros ou envergonhados.

Ao se debruçar sobre esse elemento, os pesquisadores do Google identificaram dois comportamentos essenciais para criar um espaço de segurança psicológica:

  • Comunicação: estabelecer conversas nas quais todos têm direito a voz e igualdade no tempo de fala, podendo ser escutados sem julgamentos.
  • Empatia: sensibilidade social para perceber o que o outro está sentindo e precisando.

Se, por um lado, é importante que os colaboradores se sintam confortáveis em expressar suas ideias, mesmo que estas sejam opostas às propostas de seus líderes, por outro lado esse comportamento pode ser difícil de ser colocado em prática, já que, de acordo com Dominic Barter – consultor internacional em Comunicação Não Violenta em Práticas Restaurativas – nossa cultura local tem medo do conflito e busca evitá-lo.

Ou seja, é comum que os colaboradores optem pelo silêncio do que por expressarem suas opiniões. Segundo o Barter, a manutenção do conflito é importante, pois esse é saudável e natural. Se há algo que valha a pena, então haverá conflito. Espaços onde todos concordam com todas as ideias são, na maior parte das vezes, ambientes em que não há liberdade nem segurança para que opiniões diferentes. Além de se tornar um ambiente hostil para a equipe, essa postura inibe a inovação dentro das empresas.

Nesse contexto, a Comunicação Não Violenta (CNV) surge e ganha força nas organizações, promovendo uma relação onde predomina uma comunicação eficaz e empática.

Como surgiu o conceito de comunicação não-violenta (CNV)?

Na década de 60, o psicólogo americano Marshall B. Rosenberg criou o conceito de Comunicação Não-Violenta (CNV) e, em 1984, fundou uma ONG chamada Centro para Comunicação Não-Violenta, que se dedica à promoção desse processo pelo mundo. Mas o desenho desse conceito não foi por acaso. Quando Marshall tinha apenas 9 anos precisou ficar trancado por 3 dias em casa com sua família por conta de um conflito racial que eclodiu em Detroit, culminando na morte de quarenta pessoas.

Ao se formar, passou a pesquisar sobre os fatores que prejudicam a capacidade humana de ser compassivo, descobrindo o papel crucial da linguagem e do uso das palavras nesse processo. Foi assim que ele desenvolveu uma abordagem específica de comunicação (falar e ouvir) – que permita uma conexão maior entre as pessoas para que a compaixão possa emergir, mesmo em situações delicadas.

Ao longo da sua trajetória profissional, Marshall participou no desenho de acordos de paz em mais de 60 países e treinar mediadores de conflitos, Marshall chegou a escrever em 1999 o livro “Comunicação Não-Violenta: Técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais”, que se tornou um best-seller mundial.

A CNV, no entanto, foi além da mediação e chegou ao mundo empresarial. Satya Nadella, por exemplo, ao assumir a liderança da Microsoft em 2014, comprou centenas de cópias do livro do Marshall e distribuiu entre seus principais líderes como forma de transformar a empresa em um ambiente de mais empatia e solidariedade.

O conceito de comunicação não-violenta (CNV).

No livro “Comunicação Não Violenta”, Marshall explica o conceito da seguinte forma:

A Comunicação Não Violenta se baseia em habilidades de linguagem e comunicação que fortalecem a capacidade de continuarmos humanos, mesmo em condições adversas. […] Nossas palavras, em vez de serem reações repetitivas e automáticas, tornam-se respostas conscientes, firmemente baseadas na consciência do que estamos percebendo, sentindo e desejando. – Marshall B. Rosenberg

A CNV acaba sendo uma prática consciente, onde refletimos sobre as nossas necessidades e a do outro, identificando o que está por trás de cada mensagem e da forma de falar por meio da empatia.

O processo tanto diz respeito à quem emite a mensagem (emissor) quanto a quem a recebe (receptor). Ao ouvir uma determinada frase (seja por e-mail, telefone ou pessoalmente), existe o espaço para que o receptor preste atenção aos sentimentos que ela despertou em si, bem como tente compreender a necessidade do emissor que está por trás daquela frase. Ao mesmo tempo, o emissor também deve fazer uma auto reflexão e identificar sua própria necessidade para então se expressar de forma honesta e transparente.

Ao identificar os sentimentos e as necessidades colocados explicitamente ou implicitamente ao longo do diálogo, podemos nos responsabilizar por ele e então falar o que realmente está acontecendo e o que se espera do outro.

Marshall explica que “a Comunicação Não Violenta se baseia em habilidades de linguagem e comunicação que fortalecem a capacidade de continuarmos humanos, mesmo em condições adversas. Nossas palavras, em vez de serem reações repetitivas e automáticas, tornam-se respostas conscientes, firmemente baseadas na consciência do que estamos percebendo, sentindo e desejando.”

Isso quer dizer que, muito além de uma forma de comunicar, a CNV é uma forma de pensar, observar os sentimentos e realizar uma conexão com o outro, observando os gatilhos que nos fazem agir de determinada forma.

É importante reforçar que a CNV não busca impedir conflitos, mas evitar que eles se desenvolvam no caminho da violência.

Mais do que uma nova maneira de usar as palavras, uma forma diferente de pensar e enxergar as relações. Dentre as habilidades-chave desenvolvidas, a empatia ganha destaque, pois exige a escuta ativa e a intenção de se colocar no lugar do outro.

Comunicação não-violenta na prática: Os quatro componentes da CNV

Existem quatro componentes que se tornam base de qualquer comunicação, seja na hora de se expressar ou ao ouvir. O intuito destas técnicas não é reverter características instintivas do ser humano, como o julgamento, mas mudar a maneira como processamos essas informações.

  1. Observação: Declare ações e fatos concretos que você está observando. A primeira etapa consiste em atentar-se aos julgamentos estabelecidos precocemente. Deve se realizar um exercício de manter-se apenas no campo da observação, com o intuito de aprender e entender a situação e outro, ao invés de adotar uma postura defensiva ou julgadora.
  2. Sentimento: Explique como você está se sentindo em relação ao que está observando. Nesta etapa, é importante entender a reação diante da comunicação com o outro. O que aquela interação provoca? Desta forma, o colaborador consegue entender que não está mais no campo racional, mas que aquela situação despertou sentimentos que podem interferir na forma de reagir.
  3. Necessidades: Apresente a necessidade sua que está gerando esse sentimento. Nessa etapa cabem diversas reflexões: qual é o meu objetivo com essa comunicação? O que eu efetivamente preciso? Qual necessidade eu buscava quando eu agi da forma que agi? O que eu queria alcançar? Eu consegui? E a que custo? Para conseguir o que eu gostaria, eu prejudiquei a relação? Eu machuquei a outra pessoa?
  4. Pedido: Peça ações concretas que irão ajudá-lo a resolver essa situação. Uma vez identificada a necessidade, quais ações podem ser tomadas para alcançá-la? Qual pedido específico eu posso fazer para resolver a situação? É importante ressaltar que o pedido claro exige uma resolução prática para ele. Por exemplo, ao invés de: “preciso de mais espaço de fala” para “para mim, é importante concluir minha fala antes de ouvir a sua” Desta forma, há indicação clara do pedido e de como ele pode ser atendido.

A metodologia de 4 etapas pode encontrar obstáculos em ambientes de trabalho clássicos (mindset industrial), onde a vulnerabilidade ainda pode ser vista como fragilidade e onde falar sobre as emoções não é bem-vindo.

Isso significa que é papel das organizações criar ambientes seguros, cujas falhas possam ser aceitas e onde demonstrações reais de sentimentos e necessidades sejam encorajadas ao invés de inibidas.

Para alcançar esse novo tipo de comunicação, é fundamental conscientizar os colaboradores de que há uma forma mais passiva de interagir com os colegas e inclusive motivá-los a levar esse comportamento para fora do trabalho. É necessário treinamento contínuo e desenvolvimento de métodos que facilitem o diálogo, possibilitem espaços de troca, bem como canais onde haja liberdade de expressão e profissionais que ajudem a mediar conflitos.

O desafio da transformação é grande, mas felizmente, algumas instituições já se atentaram para importância nessa mudança de postura e estão investindo em uma cultura de empatia e inclusão. E existem estudos que conseguem comprovar que a empatia Corporativa está diretamente correlacionada com:

  • Crescimento: As 10 melhores empresas no Índice de Empatia Global (2016) tiveram um aumento seu valor mais de duas vezes maior que as 10 piores.
  • Produtividade: Empresas empáticas também geraram 50% mais lucro por funcionário que as 10 piores.
  • Receita: As 10 melhores empresas tiveram um aumento de 6% em média na receita, enquanto as 10 piores tiveram uma queda de 9% em média.

Nós, da Blend-Edu, acreditamos que a CNV potencializa uma cultura de empatia e inclusão nas empresas. Acompanhe outras matérias sobre o assunto no nosso blog e confira os nossos treinamentos sobre o tema.