Um dos temas que costuma ser muito discutido em meio aos debates sobre inclusão da comunidade trans, e gera muitas dúvidas, em geral, é a respeito do uso de banheiros por pessoas transgênero.

O assunto ainda causa certos questionamentos, especialmente pela falta de conhecimento sobre princípios sociais, constitucionais, além do preconceito e desconforto causado por vieses inconscientes — ou não — que pessoas trans sofrem em situações onde frequentam determinados locais públicos ou privados. 

Para trazer mais esclarecimento sobre o tema, reunimos dados, vídeos, leis e diversas informações com relação ao assunto para desmistificar algumas crenças e ajudar você a implementar banheiros inclusivos na sua organização.

Além disso, reunimos explicações didáticas sobre a diferença entre orientação sexual, identidade de gênero, expressão de gênero e outros recortes do movimento LGBTQIA+. Confira!

Principais aspectos sobre pessoas trans

Antes de tudo, precisamos apresentar e nos aprofundar em alguns conceitos básicos sobre identidade de gênero. Um dos primeiros pontos, que também causa muitas dúvidas, é sobre a diferença entre sexo e gênero.

Normalmente, ambos os termos são usados como se tivessem o mesmo significado, quando, na verdade, possuem definições bem diferentes. Isso acontece, porque, em muitas situações quando falamos de “sexo”, estamos nos referindo, na realidade, ao “gênero que é atribuído às pessoas ao nascer”. Naturalmente, acaba acontecendo uma confusão entre o uso de um ou outro.

Vamos às definições?

  • Sexo: trata-se das características biológicas que a pessoa tem ao nascer, incluindo a composição de cromossomos, genitália, composição hormonal, entre outros. Lembrando que sexo não é um conceito binário, onde só existe masculino e feminino, já que também existem pessoas intersexo.
  • Intersexualidade: pessoas intersexo ou intersexuais, são as que possuem características anatômicas do corpo que não se encaixam nas definições típicas e binárias (fêmea e macho), sejam por variações de ordem cromossômicas, fenotípicas, genital e hormonal. Antigamente, eram chamadas de “hermafroditas”, que é um termo que está em desuso e já não é mais aceito.
  • Gênero: refere-se aos papéis, comportamentos, expressões e atributos socialmente construídos e atribuídos às pessoas de acordo com o seu gênero (homens, mulheres, pessoas não binárias). Ou seja, está ligado à maneira que a pessoa se expressa na sociedade, portanto, gênero não se refere ao sexo biológico.
  • Identidade de gênero: reflete o senso sentido e vivido do próprio gênero de uma pessoa. Resumidamente, é como reconhecemos o nosso gênero, o que não corresponde ao sexo biológico. Como, por exemplo: mulher (cis e trans), homem (cis e trans) e pessoas não-binárias (agênero, bigênero, gênero fluido).
  • Pessoa cisgênero: termo utilizado para se referir às pessoas cuja identidade de gênero se alinha ao que foi atribuído a ela no nascimento (como, por exemplo, uma pessoa que nasceu com sexo biológico feminino – identificada como uma mulher – e que também se identifica como mulher é considerada cisgênero ou mulher cis).
  • Pessoa transgênero: o prefixo “trans” significa “o lado oposto” ou “o outro lado”. Portanto, “transgênero” é o termo utilizado para se referir às pessoas que não se identificam com o gênero atribuído ao nascimento. A palavra transgênero, de uma forma geral, acaba servindo como um termo guarda-chuva, abraçando transexuais e travestis.

Além disso, é válido lembrar que gênero não pode ser confundido com orientação sexual — conceito que trata da atração afetiva ou sexual. Por exemplo, um homem trans que se atrai por outros homens (cis ou trans), é homossexual. Enquanto uma mulher trans que se atrai por homens, seja cis ou trans, é uma mulher heterossexual.

Agora que pontuamos as diferenças entre alguns termos, conceitos e identidades, podemos avançar nos tópicos sobre o uso dos banheiros no ambiente de trabalho por pessoas trans, além de mitos e tabus que envolvem essa mudança. Vamos nessa?

Quais são as principais dúvidas e mitos sobre o uso do banheiro por pessoas trans?

Atualmente, mesmo que a questão do uso do banheiro por pessoas trans seja muito comentada, ainda existem muitos posicionamentos divergentes, principalmente políticos e religiosos.

Isso acontece, porque, ainda utiliza-se uma lógica bastante binária que considera a existência de apenas duas identidades de gênero possíveis, categorizando as pessoas apenas como “homem” ou “mulher”.

Por conta desses papéis sociais atribuídos, o uso dos banheiros por pessoas trans ainda causa muitas situações de constrangimento à população trans e gera diversas dúvidas para empresas que querem implementar mudanças mais inclusivas e não sabem como – ou por onde – começar.

Para ajudar a mitigar esses mitos e crenças muito difundidos, reunimos as principais dúvidas sobre o tema, confira:

1. Mito de que a pessoa trans pode assediar sexualmente outras pessoas no banheiro, gerando situações de violência

Um dos pontos levantados a respeito do tema, é que há uma crença de que pessoas LGBTQIA+, especialmente mulheres trans, são potenciais agressoras e podem ser uma ameaça à mulheres cisgênero.

Porém, trata-se de uma convicção baseada em LGBTfobia e carregada de vieses, dado que a maior parte das agressões e estupros sofridos pela população feminina acontece dentro de ambientes domésticos, praticados por maridos, familiares, vizinhos, etc.

Muitas vezes, o que ocorre é a situação contrária: mulheres trans sofrendo risco de violência por homens quando são impedidas de usarem o banheiro do gênero que se identificam.

2. Mito de que homens podem se “vestir de mulher” para assediá-las no banheiro

Essa crença também é bastante difundida por conta de algumas notícias em que homens cis se vestem como mulheres e entram em banheiros femininos para assediá-las.

Porém, precisamos lembrar que são casos isolados — e de má fé — que acabam prejudicando a liberdade de mulheres cis e transgênero. Para explicar melhor sobre o mito, confira o vídeo da cantora Victoria Monforte, conhecida como MC Trans, em conversa com Julia Kreischer, feminista radical:

3. Receio de que mulheres cisgênero ficarão desconfortáveis em compartilhar banheiro com mulheres trans

Muitos desses medos geradas por crenças carregadas de vieses inconscientes. E antes de qualquer mudança ou implementação de banheiros inclusivos, é necessário realizar um trabalho de conscientização sobre diversidade e inclusão de pessoas trans no ambiente corporativo, a fim de mitigar possíveis desconfortos para ambos os lados.

Um dos argumentos que se contrapõem a respeito desse receio, é que o banheiro feminino é composto por cabines privativas. Portanto, diferentemente do masculino que, em sua maioria, é mais expositivo por ter mictórios, no feminino não ocorre o mesmo. O único ambiente de uso comum seria a área do espelho e da torneira.

E aqui nos resta o questionamento, conforme citado no vídeo acima pela cantora MC Trans: “Qual é o incômodo em dividir esse espelho e essa torneira com uma [mulher] trans?”.

4. “Não seria mais fácil criar banheiros voltados somente para pessoas transgênero?”

Criar um banheiro exclusivo para pessoas trans é, na verdade, uma forma de segregação, e não de inclusão. Principalmente porque, dessa forma, a empresa foge da real conscientização, e mascara um problema: a LGBTfobia.

A alternativa de propor um terceiro banheiro, nada mais é do que uma forma de continuar perpetuando um processo de discriminação contra pessoas trans, como se fosse necessária a criação de um outro espaço para conviverem à parte da sociedade — e do que é considerado o “padrão” binário.

Cada pessoa deve usar o banheiro que lhe pareça mais adequado, e abolir a divisão por gênero de banheiros públicos é um dos caminhos que tornará a inclusão possível.

5. “E se as pessoas que ficarem desconfortáveis entrarem com ações judiciais contra minha empresa?” 

O uso de banheiros por pessoas transgênero já é um tema conhecido no Judiciário, e em 2015, foi discutido no Supremo Tribunal Federal (STF). Trata-se do caso RE 845.779.,  que diz que, independentemente do posicionamento do estabelecimento, qualquer pessoa trans tem o direito de usar o banheiro público, de acordo com sua identidade de gênero:

Tema 778 – “Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos arts. 1º, III, 5º, V, X, XXXII, LIV e LV, e 93 da Constituição Federal, se a abordagem de transexual para utilizar banheiro do sexo oposto ao qual se dirigiu configura ou não conduta ofensiva à dignidade da pessoa humana e aos direitos da personalidade, indenizável a título de dano moral”.

Ao analisarmos o âmbito nacional, no Brasil não há uma legislação específica para transgêneros. Entretanto, existem normas que podem ser aplicadas a respeito desse tópico. Como, por exemplo:

  • A Constituição Federal define como um dos objetivos fundamentais da nação promover o “bem-estar de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
  • Além disso, o Ministério Público do Trabalho (MPT) reconheceu, juntamente com a aceitação do nome social no ambiente de trabalho, a garantia de acesso a banheiros e vestiários de acordo com esse nome e identidade de gênero do indivíduo, por meio da portaria 1.036/2015.
  • A Resolução 12, de janeiro de 2015, do Poder Executivo (Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República), cujos fundamentos justificam-se pela sintonia com a Lei 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), especificamente os artigos 2º e 3º da referida lei, estabelece que:

“Parâmetros para a garantia de condições de acesso e permanência de pessoas travestis e transsexuais e todas aquelas que tenham sua identidade de gênero não reconhecida em diferentes espaços sociais nos sistemas e instituições de ensino, formulando orientações quanto ao reconhecimento institucional da identidade de gênero e sua operacionalização”.

  • O artigo 6º do ato normativo também prevê que “deve ser garantido o uso de banheiros, vestiários e demais espaços segregados por gênero, quando houver, de acordo com a identidade de gênero de cada sujeito”.

Além disso, existem diversos processos judiciais de mulheres trans que foram vítimas de violência e abusos por serem forçadas a usar o banheiro masculino. E muitas empresas responsáveis por essas ações, foram condenadas por esse ato, dado que, proibir uma pessoa trans de usar o banheiro de acordo com sua identidade de gênero é um ato inconstitucional:

  • A legislação trabalhista veda a adoção de qualquer prática discriminatória e, inclusive, prevê uma multa administrativa e até mesmo a proibição de obter empréstimo ou financiamento junto das instituições financeiras as empresas que não respeitarem a norma.

Como minha empresa pode ser mais inclusiva com pessoas trans?

Ano passado, a Blend Edu realizou uma mentoria coletiva com a participação de Joseph Kuga. Confira o papo sobre as principais dúvidas de como incluir pessoas trans nas organizações desde o recrutamento, seleção até o acolhimento e capacitação desses profissionais.

Confira um trecho de como foi esse bate papo:

Lembrando que este conteúdo é exclusivo do Diversidade SA, nossa comunidade empresarial de aprendizagem do mercado focada em Diversidade & Inclusão. Saiba mais sobre a plataforma clicando aqui.

Como minha empresa pode fazer a transição para banheiros mais inclusivos e apoiar a luta contra a transfobia?

Investir em banheiros sem marcação de gênero é um dos caminhos de tornar sua empresa mais segura e inclusiva para pessoas trans. Pensando em como te ajudar nessa mudança, a Blend separou algumas dicas práticas abaixo:

  • Crie ações de conscientização dos colaboradores e colaboradas da organização: a informação é uma das maiores aliada no que diz respeito à implementar mudanças estruturais e, principalmente, na cultura da empresa. Por isso, é fundamental engajar a equipe com o tema diversidade. Seja por meio de ações com a liderança, palestras, campanhas internas, materiais educativos, entre outros formatos, para evitar a propagação de mitos na empresa.
  • Tenha uma política inclusiva com pessoas trans e não-binárias: uma das formas promover maior bem-estar e ter um ambiente psicologicamente seguro, é de ter crachás e sistemas de identificação com nome social das pessoas que fazem parte da empresa. Ter uma infraestrutura, benefícios e a possibilidade das pessoas serem quem elas são garante uma base para mudanças significativas.
  • Mude os banheiros para que permitam a utilização de acordo com o gênero com o qual as pessoas se identificam: ter banheiros pontuais sem gênero é uma forma de permitir que pessoas não-binárias, por exemplo, também se sintam mais acolhidas. Sinalizar a mudança com placas e criar comunicados informativos para serem disseminados nos canais de comunicação da empresa também podem ajudar nessa transição.
  • Implemente políticas de tolerância zero contra situações LGBTfóbicas: procure estruturar ações e diretrizes que garantam um ambiente mais seguro para todos, todas e todes. Ter um canal de denúncia ou ouvidoria, por exemplo, é uma forma de tratar casos discriminatórios. Ter o apoio da liderança é fundamental nesses processos, por isso, é extremamente importante exercer a atenção plena e desenvolver uma liderança inclusiva, para oferecer o suporte adequado em eventuais situações de desconforto.

Que tal contar com o apoio da Blend na estruturação de ações inclusivas? 

A Blend Edu pode te apoiar nesse processo de implementar ações educacionais, capacitar sua equipe e oferecer treinamentos com foco em empatia, diversidade e inclusão. Entre em contato com a gente mandando um e-mail para contato@blend-edu.com, ou preencha os campos de contato abaixo.